Skip to main content

Por Rosa Márcia França

Ainda que a União continue sendo a principal fonte de captação de recursos para municípios e estados, os bancos de fomento internacional cada vez mais se tornam uma opção para gestores de projeto. BID, BIRD, CAF, Fonplata e outros atuam como financiadores de iniciativas públicas, que, ao identificarem um problema, veem nesses organismos a oportunidade de implementar um projeto de melhoria em seus municípios e estados – seja na área social, ambiental, educacional, industrial, cultural, da saúde, da infraestrutura etc.

Entre o processo do diagnóstico da situação e mesmo depois da liberação do primeiro saque, a equipe de gestão passará por fases importantes do ciclo de vida de um projeto – que conta com a implementação, preparação e avaliação final – com financiamento internacional.

Aqui vamos detalhar algumas etapas do ciclo de um projeto executado com a captação de recursos de organismos internacionais.

Diagnóstico – determinação do problema e da oportunidade de mudança

De antemão, é importante saber que o estabelecimento correto de um problema depende de um excelente diagnóstico. E, disso, decorre a elaboração de um projeto sólido. É preciso entender a realidade sobre a qual se quer atuar, com a consequente mudança do status atual, evidenciando o que foi a problemática, o que ela é e o que tende a ser. Lembre-se que o projeto sempre irá atender a um problema em especial, em um tempo, espaço e público determinado.

Nesta primeira etapa, também se faz necessário verificar se há complementariedade ou contradição entre os problemas declarados. Além de identificar fatos que evidenciam e precisam a existência dessas dificuldades encontradas e levantar as causas, selecionando aquelas que são críticas e que podem ser objeto de intervenção.

Identificação das instituições envolvidas

Em seguida, é interessante que o futuro mutuário (quem recebe o empréstimo) comece a criar um vínculo com as pessoas e instituições que têm a competência para resolver o problema identificado na etapa anterior. Aqui falamos da instituição financiadora, de eventuais empresas de consultoria e dos próprios servidores dos órgãos que atuarão no projeto.

A consultoria auxilia, entre outros pontos, a encontrar qual o organismo de fomento mais adequado, quais temas são prioridades naquele ano etc. Por sua vez, conhecer a instituição na qual será pleiteada a captação de recursos é extremamente importante. Estudar seus chamamentos públicos anteriores e sua estrutura e propósitos facilitam a criação desse vínculo.

Apresentação do projeto

A elaboração da apresentação do projeto deve responder àquelas perguntas tradicionais: O quê? Por quê? Qual? Como? Quanto? O que é necessário? Quando?  Uma apresentação e um projeto bem estruturados precisam considerar também os riscos, que são condições ou circunstâncias futuras que poderão existir e que estão fora do controle da equipe executora, provocando um impacto adverso caso venham a acontecer.

É fácil diferenciar o risco do problema identificado no diagnóstico. Enquanto este já é realidade, o risco é um problema potencial que ainda não se apresentou, podendo ser de diversas áreas: ambiental, financeira, institucional, político, social, climatológico etc.

Identificação

Nesta etapa, o financiador vai estudar e avaliar quem está pleiteando a captação de recursos. Ou seja, o mutuário se torna objeto de estudo. O organismo internacional elabora o Documento de Conceito do Projeto e o Documento Informativo do Projeto.

Paralelamente, do lado do mutuário, diversas ações são colocadas em prática, como:

  • Busca de apoio junto à Secretaria de Assuntos Internacionais (SAIN);
  • Órgão postulante realiza a consulta à legislação interna e externa;
  • Elaboração da carta-consulta para posterior encaminhamento à Comissão de Financiamentos Externos (COFIEX);
  • Consultas ao financiador sobre condições de financiamento.

Preparação e avaliação

O ciclo da captação de recursos avança, então, para a fase de preparação. Aqui o mutuário já precisa começar a elaborar os estudos técnicos, ambientais, econômicos, sociais e de endividamento. Orientações e dúvidas podem ser esclarecidas junto ao financiador durante essas atividades, que são executadas com maior assertividade quando acompanhadas de uma consultoria especializada. É importante verificar eventuais apoios financeiros que o financiador disponha para esses estudos.

Nessa fase o mutuário também estará atento aos arranjos institucionais e às políticas que possam aparecer como entrave ao projeto e seu financiamento. É o caso das medidas que o mutuário necessitará tomar para mitigar os efeitos e riscos no local de desenvolvimento do projeto (remoção da população local, desvios de rios etc).

Outra importante medida é já identificar a necessidade de recursos humanos e de treinamento das pessoas que estarão envolvidas em sua execução. A montagem de uma equipe forte, competente e especializada na área de intervenção é determinante para gestão do projeto. Muitas vezes, antes mesmo da execução, se fazem necessários conhecimentos específicos e a contratação de profissionais especialistas que não são encontrados entre os servidores do órgão. Nesse momento, é possível contar com recomendações do consultor e do próprio financiador.

O financiador, nesta fase, orienta o mutuário sobre o projeto, as políticas e eventuais financiamentos retroativos, reconhecendo os gastos que os órgãos têm durante a preparação, inclusive com missões técnicas. Em paralelo, o organismo realiza a avaliação de três aspectos do projeto:

  • Aspecto econômico: benefícios que o projeto agrega ao país e para a região onde ele será executado, riscos (inclusive sustentabilidade), redução da pobreza etc;
  • Aspecto técnico: análise dos planos, estimativa de custos, cronograma de implementação;
  • Aspecto institucional: capacidade de implementação do projeto, viabilidade financeira, análise ambiental e social.

O financiador elabora também o Documento de Avaliação do Projeto e as minutas dos documentos legais (convênios, acordos, licitações).

Negociações e aprovação

Nesta etapa, o financiador apresenta à sua diretoria executiva a minuta do contrato. O projeto é descrito no sistema do banco ou organismo internacional e o Documento de Avaliação de Projeto é posto à disposição do público para que esses conheçam a iniciativa de forma transparente.

Após a recomendação por parte da COFIEX e análise da operação de crédito pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), quanto à capacidade endividamento e garantia da União (se houver), a SAIN agenda reunião de pré-negociação para análise e discussão das minutas contratuais com a participação de representantes da STN/ME, da PGFN/ME e do mutuário,

Enquanto isso, o mutuário, junto à consultoria, já analisou e definiu as bases do Acordo de Empréstimo, que dispõe sobre as questões contratuais, convenções, licitações e o plano de operações.

Concluída a negociação, o mutuário deverá atender aos requerimentos exigidos pelo Ministério da Economia (STN/ME e PGFN/ME), seguindo com a seguinte tramitação:

  • Envio do projeto à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal;
  • Envio ao Plenário;
  • Concessão do aval para estados e municípios;
  • Autorização do Ministério da Economia (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Secretaria do Tesouro Nacional);
  • Assinatura do contrato;
  • Coleta do parecer legal da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional pós-assinatura;
  • Credenciamento no Banco Central do Brasil.

Elegibilidade e tecnologia para gestão de projetos com captação de recursos

Inicia-se, então, o período para procura da elegibilidade. Aqui cabe um parêntese para ressaltar que assinatura do contrato não garante a elegibilidade para o primeiro saque. Entre essas duas ações, o mutuário investe um tempo considerável para cumprir com uma série de requisitos condicionados pelo banco para a liberação do pagamento.

Cito minha experiência dentro do Projeto Aprimoramento do Modelo de Atenção na Rede de Saúde – Amar. Financiado pelo BID, contamos com 180 dias, após a assinatura do contrato, para termos a elegibilidade do primeiro saque. Um dos requisitos era, e segue sendo, a contratação de um software de gestão de projetos dentro das especificidades do banco.

Realizamos a licitação com outra empresa e esta não conseguiu passar da prova de conceito, porque seu sistema não atendia às regras do organismo internacional. A Softplan, com o sistema SAFF, acabou tornando-se a vencedora do processo por atender completamente às exigências do banco. Com ele, além dos consultores, o mutuário tem uma tecnologia de apoio, quase como um computador/livro de cabeceira, supervisionando contratos, pagamentos e o cumprimento dos requisitos de execução físico-financeira por parte do financiador.

Implementação e supervisão

Com os recursos liberados, iniciam-se os trabalhos para implementação do projeto. Nesse período, o financiador monitora o progresso, oferece aconselhamento e vai se assegurar de que os recursos estão sendo corretamente empregados e que as licitações estão de acordo com suas normas e do Acordo de Empréstimo, através de missões de supervisão.

Algumas vezes, podem acontecer situações de debates, especialmente com organismos que tentam impor regras para além do Acordo. Cabe ao mutuário lembrar sempre que o recurso é um financiamento e que, futuramente, pagará por aquele valor. Nesse ponto, o Acordo de Empréstimo será a bíblia do mutuário. Celebrado entre todos os envolvidos (mutuário, Governo Federal e financiador), ele é um guia. Desde que se cumpram as regras da legislação interna e externa e as regras básicas do financiador, é possível ir ajustando, conversando e implementando o projeto.

Nesta etapa, o mutuário realiza a compra e licitações de bens e serviços, faz a contratação de consultores e supervisiona os contratos e pagamentos. Ressalto sempre a necessidade de fazermos essas ações dentro das políticas de aquisições dos órgãos e do financiador, ponto que exige um conhecimento profundo por parte dos envolvidos no projeto e que é apoiado por consultorias que já são conhecedoras e se atualizam quanto às normas dos bancos.

Em concordância, a tecnologia serve como um consultor ad hoc, funcionando como apoio ao cumprimento dessas regras internas, externas e do banco. Por isso, ter um bom sistema de gestão é fundamental para que o gestor consiga executar o projeto no tempo hábil. No sistema de gestão de projetos SAFF, por exemplo, as regras já estão ali.

É fundamental o sistema estar no projeto desde o início. Não à toa a contratação desse tipo de tecnologia, dentro do que o banco considera como bom, é um critério de elegibilidade entre a maioria dos financiados. Falando a partir da minha experiência, trabalhei em projetos que não conseguiram adquirir um sistema de gestão logo no início e a diferença no resultado da execução foi notável.

Avaliação final

Como não podia deixar de ser, em um ciclo de vida de projeto, chega-se à etapa da avaliação. É nesse momento em que o Governo Federal e o financiador vão verificar se o mutuário cumpriu com os objetivos estabelecidos lá no início, se chegou-se aos resultados esperados, qual foi o custo e o benefício do projeto e seus êxitos e as falhas de sustentabilidade.

Aqui, quando se fala em sustentabilidade, o que se quer demonstrar é a capacidade de continuidade dos efeitos benéficos alcançados pelo projeto após o seu término. Afinal, eles podem e devem continuar depois que a equipe se retirar do espaço de atuação. Cabe ressaltar ainda a necessidade de elaborar um bom Relatório de Conclusão da Implementação por parte do mutuário nesta etapa.

Algumas recomendações para projetos com recursos externos

Por fim, deixo também algumas recomendações e aprendizados que fui somando ao longo da minha atuação como gestora e consultora de projetos com captação de recursos externos.

  • Formalize o início e o fim do projeto;
  • Acredite e cumpra rigorosamente a estratégia de implementação definida;
  • Monte um time diversificado e competente. Conheça bem a sua equipe;
  • Comunique-se de forma adequada. Não deixe de perguntar e informar;
  • Monitore e gerencie os riscos;
  • Tome cuidado com compras e pagamentos (mantenha um bom arquivo de documentos e comprovantes);
  • Na dúvida, sempre entre em contato com a área financeira da instituição patrocinadora.

Tenham em mente que a execução de projeto é algo sério. Procurem ajuda, formem uma boa equipe, cerquem-se de especialistas, captem recursos e executem seus projetos a contento. Lembrem-se sempre de que uma boa gestão é uma garantia para futuros projetos, pois, a cada novo pleito em um organismo de financiamento, seu desempenho em projetos anteriores será avaliado.

Leia o artigo: Tecnologia na gestão de projetos cofinanciados.

Assista também a participação de Rosa Márcia França no Gestão Pública Talks 2021, que contou com uma trilha de conhecimento sobre projetos com financiamento externo e outros conteúdos especializados.

Sobre a autora

Rosa Márcia França é coordenadora Geral do Projeto AMAR da Secretaria de Estado da Saúde da Paraíba. É contadora, advogada e especialista em Gestão de Projetos. Trabalha com captação, elaboração e execução de projetos com recursos de organismos internacionais, com experiência com BID, Banco Mundial, FIDA, CAF, PNUD e União Europeia. Tem como área de atuação Projetos para Estados, Municípios e terceiro setor. Foi Coordenadora técnica do escritório do PNUD na Paraíba.

Compartilhe esse conteúdo nas redes sociais